Mês: janeiro 2022

Auta de Souza

Auta de Souza

Auta de Souza nasceu em Macaíba, pequena cidade do Rio Grande do Norte, em 12 de setembro de 1876; educou-se no colégio “São Vicente de Paula”, em Pernambuco, sob a direção de religiosas francesas; e faleceu em 7 de fevereiro de 1901, na cidade de Natal. Uma biografia simples como os seus versos e o seu coração…
Ela não conheceu os obstáculos que encheram de tormento a existência de Marcelline Desborde-Valmore. Desde muito cedo, porém, sentiu todo o horror da morte. Aos quatorze anos, quando lhe apareceram os primeiros sintomas do mal que a vitimou, não havia senão sombras em seu espírito; era já órfã de pai e mãe, tendo assistido ao espetáculo inesquecível do aniquilamento de um irmão devorado pelas chamas, numa noite de assombro.
Assim, desde a infância, o destino lhe apareceu como um enigma sem a possibilidade de outra decifração que o luto.
Salvaram-na do desespero a fé religiosa e o resignado exemplo da ignorada heroína para quem escreveu o soneto A minha Avó.
Horto é, pois, a história de uma grande dor. Formou-o a autora recordando, sentindo, penando.
Em casa, o luto sucessivo; no colégio, as litanias da Igreja; mais tarde, no campo, onde passou o melhor tempo da atormentada existência, a paisagem triste do sertão nos longos meses de seca, a compaixão pelos humildes, cuja miséria tanto a comovia, a saudade dos diversos lugares em que esteve em busca de melhoras aos padecimentos físicos…
Tudo isso concorreu muitíssimo para agravar a maravilhosa sensibilidade, de seu temperamento de mulher; e essa sensibilidade, à medida que a doença aumentava, se ia tornando mais profunda, fazendo de um ser fragílimo o intérprete de inúmeros corações desolados.
A primeira edição do Horto, publicada em 1900, esgotou-se em dois meses. O livro foi recebido com elogios pela melhor crítica do país; leram-no os intelectuais com avidez; mas a verdadeira consagração veio do povo, que se apoderou dele com devoto carinho, passando a repetir muitos de seus versos ao pé dos berços, nos lares pobres e, até, nas igrejas, sob a forma de “benditos” anônimos.
Auta, sem pensar e sem querer, reproduzira a lápis, na chaise longue onde a prostrara a doença, as emoções mais íntimas de nossa gente: encontrará no próprio sofrimento a expressão exata do sofrimento alheio.
E antes de finar-se ouviu da boca de centenas de infelizes muitos dos versos que traçara com os olhos lacrimosos, não raro para esquecer o desgosto de se sentir vencida em plena mocidade.
Não teve cultura literária vasta.
Recordando cenas da meninice, vejo-a neste momento, aos oito anos, curvada sobre as páginas da História de Carlos Magno, outrora muito popular nas fazendas do Norte, livro cheio de façanhas inverossímeis, sem medida, sem arte, escrito no pior dos estilos, mas delicioso para quem o conheceu na infância.
Lia-o Auta no campo, os olhos ingenuamente maravilhados, para o mais ingênuo dos auditórios, composto de mulheres do povo e de velhos escravos, todos filhos desse formoso sertão que exerceu em seu espírito tão salutar influência.
Depois, chegou a vez das Primaveras, de Casimiro de Abreu.
Um pouco mais tarde, no colégio, não leu outra coisa que os compêndios de estudo e as obras de prêmio, de feição religiosa e sentimental.
Nesse tempo, o seu livro predileto foi um romance profundamente triste, Tebsima, episódio lendário da primeira Cruzada.
Ao sair do internato, onde aprendera bem as línguas francesa e inglesa e adquirira boas noções de música e de desenho, começou a ler alguns autores brasileiros, especialmente Gonçalves Dias e Luiz Murat.
Estes dois grandes sonhadores, porém, não tiveram ação decisiva sobre seu espírito. Não sei mesmo como ela, que detestava a feitura clássica de certos estilos, podia ler com satisfação crescente o poeta dos Tymbiras. Nunca me explicou também o motivo por que os versos tumultuosos de Luiz Murat constituíam verdadeiro encanto para a sua alma tão meiga, tão cheia de religiosa ternura.
Nos últimos anos, as horas que podia dispensar ao convívio dos autores, consagrava-as aos místicos, a Th. de Kempis, a Lamartine, a S. Theresa de Jesus. A estes, associava Marco Aurélio, cujos Pensamentos muito concorreram para aumentar a tolerância e a simpatia com que encarava os seres e as coisas.
Tal é a história da sua formação intelectual.
Pode-se, entretanto, dizer sem exagero que o sofrimento foi o seu melhor guia.
A influência das Irmãs de “São Vicente de Paula” é visível em todo o livro.
O próprio estilo, simples e claro desde as primeiras poesias, parece-me um produto do esforço das mestras que lhe corrigiram os temas escolares, com o bom senso e a medida dos franceses.
Mas, sem a dor que lhe requintou a fé, Auta certamente não teria encontrado a forma com que deu cor e relevo às visões de seu misticismo. Assim, o Horto, em vez de uma coleção didática de salmos católicos, encerra, com a tristeza de um pobre ser cruelmente ferido pelo destino, perturbado em face do mistério da vida, a queixa universal do sofrimento humano.
Nos últimos versos, nota-se a estranha serenidade espiritual a que chegou nos derradeiros dias, inspirando aos que a visitavam a mais religiosa veneração.
Via-se-lhe, então, a alma através os olhos brilhantes sem torturas, sem lágrimas.
Naquele corpo desfeito, tão leve que uma criança pudera conduzir, havia agora um coração resignado de mártir, sentindo profundamente o nada da vida, mas sem horror à morte. Realizaram-se o seu desejo:

“Não vês? Minh’alma é como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com ela assim, de ramo em ramo,
Para um ninho gentil de gaturamo…
Leva-me, ó coração, como esta pena
De dor em dor até à paz serena.”

A tormenta se desfizera ao pé do túmulo; e do naufrágio em que se abismou esta singular existência, resta o Horto, livro de uma santa.

Henrique Castriciano
Paris, 4 de Agosto de 1910.

(Extraída da 3ª edição do livro HORTO, 1936)
Auta de Souza, do livro Auta de Souza

Antônio Luiz Saião

Antônio Luiz Saião

Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1829, filho de Francisco Luís Saião.
Encarnou em meio muito pobre e só a custa de muitos sacrifícios materiais conseguiu formar-se em Direito, na Academia de São Paulo, atual Faculdade de Direito de São Paulo.
Teve a vida de um estudante pobre, que nem livros teve para estudar, e que é obrigado a comer e a pagar a moradia à sua custa. Usava roupas e calçados, ora um tanto apertados, ora mais largos, dos seus companheiros de república, que, generosos e bons, tinham-no em geral em alta consideração. Nem uma vela para estudar, nem um vintém no bolso. Enquanto os colegas se divertiam nos teatros, bailes e serenatas, ele estudava à luz do lampião da república, ou pedia ao sono reparador o descanso de que necessitava o seu corpo depauperado de forças nas lutas do dia.
Vencendo todas as dificuldades, formou-se em Direito, jamais se deixou ficar na retaguarda e retornando ao Rio de Janeiro fez-se notável advogado.
Trabalhador incansável e extremamente econômico, conseguiu fazer fortuna, poupando e guardando as parcas economias que lhe sobravam das suas restritas necessidades materiais.
Talento modesto, aliado ao desejo de bem servir ao Senhor, jamais se deixou atingir pelo orgulho e pela vaidade, ou pelas sugestões do fausto e da orgia. Seu vestuário sempre foi sério , simples e decente, sua alimentação sólida, parca e sóbria.
Corria o ano de 1878, cheio de aflições e amarguras, preparava-se para, logo depois do dia fatal, mudar-se para a Europa com seu filho, então de treze anos de idade, em busca de resignação. Os sofrimentos de sua mulher, que, mais ou menos, datavam de seis anos, haviam-se agravado ao ponto de seu médico assistente afirmar-lhe que o termo fatal se aproximava. Abateu-se o seu pobre espírito, passando noites inteiras a velar à cabeceira da mulher a quem idolatrava, cheio de apreensões.
No dia 11 de setembro daquele mesmo ano, em que, exausto de forças, procurava respirar o ar da manhã na Praça da Constituição, encontrou-se com o Sr. Cândido de Mendonça, empregado no Foro, que, penalizado de o ver chorando, aconselhou-lhe que procurasse um seu colega, que, na travessa do Ouvidor, oferecia remédios homeopáticos para as moléstias consideradas incuráveis, com resultados espantosos.
Agradecendo-lhe, respondeu que não podia submeter sua mulher ao tratamento de homem distinto, é verdade, porém estranho completamente à ciência médica, quando ele tinha os recursos que podia oferecer às notabilidades médicas que já a tinham desenganado.
O Sr. Cândido de Mendonça, como um enviado da Providência, insistiu com um interesse que o surpreendeu, dizendo afinal que, se nos casos desesperadores e desenganados pelos homens da ciência, era desculpável darmos remédios de um sertanejo ignorante, quanto mais tratando-se de um homem conhecido, notável e já afamado por curar em casos idênticos.
Pois bem, no dia seguinte, às onze horas da manhã, compareceu à travessa do Ouvidor, onde encontrou um seu colega e mais alguns que o ajudavam, havendo grande número de pessoas, umas recebendo remédios, outras à espera de sua vez, todos alegres e contentes, referindo-se aos milagres das aplicações que fazia com caridade evangélica o homem assaz conhecido, por ser um literato distinto, titulado com carta de Bacharel em Direito, tendo já ocupado os cargos de Presidente de Província, Deputado à Assembléia Geral, porém completa e absolutamente estranho à ciência médica. Este homem era Bittencourt Sampaio.
Ao chegar sua vez, Saião disse que ia procurar remédios para sua mulher. Responderam-lhe que só se davam remédios aos pobres, e a esses mesmos quando desenganados por moléstias julgadas incuráveis. Insistiu, pedindo que lhe ajudassem por caridade, porque sua mulher estava desenganada, certificando-lhes que essa era sua última esperança, e sem que lhe perguntassem sobre a doença de que sofria sua mulher, pedindo-lhe só o seu nome, ele viu deitar em dois vidros, cheios de água, algumas gotas de tintura homeopática, que lhe foram entregues para dar à enferma.
Ainda se revoltou, à princípio, pelo fato de não se querer averiguar dos sofrimentos e nem ao menos indagarem dos diagnósticos dos médicos, mas era com efeito a sua última esperança e Saião foi portador desse presente do Céu, que, ao ser administrado à enferma, deu-lhe logo alívios extraordinários e, depois de alguns anos de aplicação emanadas da mesma fonte, obteve como resultado a vida e a saúde.
Diante de fato tão extraordinário e tão real, tomou o firme propósito de só formar juízo depois de estudo sério e refletido. É assim que tratou de estudar com os livros do Mestre, e com muitos outros, a Revelação da Revelação sobre os quatro Evangelhos, recebida dos Espíritos e coordenada por Roustaing.
Em 1878, mais ou menos, se fez espírita.
Teve então de travar luta titânica contra as suas tendências católico-romanas, não compatíveis com os Evangelhos de Jesus, que acabava de abraçar, e, sobretudo, contra os preconceitos sociais-religiosos, que naqueles tempos pareciam insuperáveis.
Tratou igualmente da verificação prática, trabalhando regularmente, durante dois anos, com médiuns que reuniu em uma sala para isto especialmente construída em sua residência.
Foi finalmente neste grupo que tirou a prova cabal e satisfatória de todos os fatos tidos como sobrenaturais para quem ignora as causas e a verdade.
Tomou para seu companheiro e mestre o seu colega Bittencourt Sampaio, que aqui na Terra tão bem soube orienta-lo e, no espaço, depois que para lá foi, melhor soube encaminha-lo com seus conselhos diários e ampara-lo com a sua ascendência moral. Feita a aliança espiritual entre os dois servos do Senhor, tiveram que lutar heroicamente contra as traiçoeiras ciladas que lhes armavam a todo instante os espíritos das trevas, com o intuito de separa-los
A luta foi encarniçada e tantos foram os estratagemas de que usaram os inimigos do espaço, para romper o laço que ligava esses dois espíritos aqui na Terra, que narra-los é impossível. Mais de uma vez teve Saião de pôr em prova a sua humildade, para evitar que se quebrasse um só dos elos da cadeia que o prendia ao seu mestre e amigo.
Constituído esse escritório como templo de caridade, em que Bittencourt dava remédios aos pobres desenganados pelos médicos, tornou-se ele o médico de sua família, com tal êxito que as moléstias, as mais insignificantes como as mais complicadas, foram sendo combatidas com o mesmo esplêndido resultado, o que foi presenciado até por alguns médicos, seus amigos íntimos.
Saião, inspirados pelos Maiores da Espiritualidade, funda um Grupo destinado ao estudo e à prática dos evangelhos, denominado grupo Ismael, desde que se incorporou à Federação Espírita Brasileira, cuja primeira reunião data de 15 de julho de 1880, em seu escritório. Dessa primeira sessão participaram, além de Saião, como diretor dos trabalhos, os seguintes médiuns, todos de grande fé e de elevada moral: Frederico Júnior, João Gonçalves, Manuel Antônio dos Santos, Bittencourt Sampaio e sua esposa Isabel Sampaio. Vários espíritos Superiores se fizeram ouvir nesta memorável noite, entre eles o glorioso Ismael. Inúmeras instruções foram fornecidas posteriormente pelos Guias, sendo que na segunda sessão o espírito de Frei José dos Mártires comunica estar encarregado de auxiliar o irmão Saião em seus trabalhos.
Estava assim consolidada no Brasil a célula máter do Anjo Ismael, onde milhares e milhares de espíritos têm encontrado a estrada da salvação. Nesse grupo, Ismael estabeleceu a torre de defesa de toda a Federação Espírita Brasileira.
Saião, mais tarde, em 1893, reuniu os trabalhos processados em cinqüenta e nove sessões, repletos de belíssimas e instrutivas comunicações dadas por Espíritos de grande luz, e deu publicidade a um livro de 400 páginas, intitulado: Trabalhos Espíritas de um pequeno grupo de crentes humildes. Em janeiro de 1897, Saião publica mais um livro: Estudo dos Evangelhos em espírito e verdade, obra que em 1902 saiu em segunda edição refundida e aumentada, agora com novo título, que até hoje conserva: Elucidações Evangélicas á luz da Doutrina Espírita.
Seu lar, nos tempos ignominiosos da escravidão, era o céu dos desgraçados que tinham pedido a prova de ser escravos. Nele se acolhiam, para de escravizados ficarem livres, pois eram tratados pelo senhor como irmãos e amigos e se constituíram membros de sua família.
A sua bolsa sempre esteve aberta à verdadeira necessidade. Jamais irmão algum que lhe pediu pão, ou lhe solicitou abrigo, passou fome ou se viu privado de teto. Bastava saber onde estava a miséria, para que Saião corresse pressuroso a ampara-la.
Seus atos de caridade são inúmeros.
Ele pressentiu o termo da sua jornada sobre a Terra poucos dias antes da sua partida para as regiões espirituais.
Estava o grande trabalhador da causa espiritista com setenta e quatro anos de peregrinação terrestre, quando repentina enfermidade, de alguns dias apenas, o convocou a pátria espiritual, para a vida imortal. Durante a enfermidade que o acometeu, se acusava grandes sofrimentos, não se queixava jamais, ao contrário, dizia sempre que se fizesse a vontade de Deus. O seu desprendimento foi calmo e mesmo sem contrações. Desencarnou como um justo, balbuciando uma Ave Maria.
Sua vida de espírita foi um exemplo de modéstia, humildade, abnegação e sobretudo de fé cristã. Portou-se verdadeiramente como servo do Senhor, aproveitando todas as ocasiões para aconselhar e esclarecer tanto a encarnados como a desencarnados.
Era ele uma voz ponderada e firme na pregação dos princípios evangélicos, e devemos frisar que sob este aspecto o espiritismo no Brasil muito lhe deve.
Se a sua vida foi um exemplo perene, digno de ser por nós imitado, a sua desencarnação não o é menos.
No Além, seu luminoso espírito continua, como ardoroso apóstolo do Evangelho, a edificar filhos transviados da Verdade, tão só com o amor que espontaneamente se lhe irradia do coração.
Assim vivem e assim desencarnam os verdadeiros discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Livro:Grandes Espíritas do Brasil
Autor: Zêus Wantuil
Editora: Federação Espírita Brasileira

Anália Franco

Anália Franco

Anália Emília Franco nasceu em Resende-RJ, a 1º de fevereiro de 1856, falecendo na capital de São Paulo aos 20 de janeiro de 1919.
Quando tinha cinco anos, seus pais, Antônio Maria Franco e Teresa Franco, mudaram-se para São Paulo. Com doze anos, já auxiliava sua mãe no magistério, com ela colaborando em diversos colégios, nas cidades de Guaratinguetá, Jacareí e no arraial Minas.
Mais tarde, ingressou na Escola Normal Secundária, de São Paulo, diplomando-se professora. Dedicou-se, desde então, de corpo e alma, ao magistério público, logo se destacando pelo seu alto tino pedagógico e pelo extremado carinho para com os alunos. Não havia prazer maior, para ela, que ensinar. Alguns anos depois, fundava na cidade de São Carlos um colégio, internado e externato, de ensino primário e secundário, denominando-o “Santa Cecília”. Esteve também em Taubaté, onde se iniciou no jornalismo.
Em 17 de Novembro de 1901, Anália Franco inaugurava, com estatutos então aprovados em Assembléia Geral, a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva do Estado de São Paulo.
Destinada, de início, a amparar, instruir e educar as crianças pobres e indigentes da capital paulista, sem qualquer distinção de crença ou raça, essa Associação Feminina teve em sua presidência, de 1901 a 1919, a grande benfeitora Anália Franco, que, reagindo contra o indiferentismo do meio, tomou a si, com a fé e a energia de um apóstolo, a sagrada tarefa de erradicar o analfabetismo e combater a miséria e a ignorância que flagelam as ínfimas camadas sociais.
Ao que tudo indica, a essa época Anália Franco já era espírita, mas extremamente liberal e tolerante, tanto assim que a sua obra jamais imprimiu caráter nitidamente espírita, mesmo porque, conforme ela própria explicava, recebendo a Associação crianças de todas as crenças religiosas, bastava o ensino das verdades fundamentais das religiões em geral, como a existência de Deus, a imortalidade da alma e o ensino da mais pura moral, para despertar no coração delas a atividade espiritual no sentido do amor a Deus e ao próximo.
Seis anos depois de fundada, essa Instituição já mantinha e orientava 22 escolas maternais e 2 noturnas, só na capital paulista, enquanto cinco escolas maternais funcionavam no interior do Estado. Afora isso, estava em pleno funcionamento um Liceu Noturno na cidade de São Paulo, com uma freqüência de mais de 100 alunas, e outro em Santos.
As professoras de todas essas casas de ensino, geralmente normalistas, trabalhavam gratuitamente na benemérita cruzada dirigida por Anália Franco.
Concretizando um sonho de muitos anos, Anália Franco criava, afinal, em meados de 1903, um Asilo-Creche, o primeiro de outros futuros, espalhados por diversas cidades. Nessa nova organização, eram amparadas as viúvas, as mães abandonadas e seus filhos, os órfãos em geral. Com o correr do tempo, Anália ali montaria oficinas de tipografia, de costura, de flores artificiais, de chapéus, bem como daria aulas de música, de escrituração mercantil, etc.
Merecendo-lhe carinho todo especial a educação do povo, em diversas ocasiões conclamou as senhoras brasileiras a se unirem a esse movimento de redenção da ignorância e da miséria. Seu apelo, ouvido por muitas distintas damas da sociedade brasileira, permitiu-lhe multiplicar o número de escolas, asilos e creches.
Pelo espaço de quinze anos, Anália dirigiu a revista “A Voz Maternal”, por ela mesma fundada em 1903.
Inúmeras vezes ela atravessou períodos aflitivos, pela insuficiência de recursos, para suprir as necessidades de tantas instituições.
A fé e a dedicação de Anália não esmoreceram jamais. O trabalho era a essência mesma de sua vida. Estava sempre a idealizar novos planos em benefício da criatura humana. Outros empreendimentos vieram juntar-se aos que, havia anos, produziam apreciáveis frutos.
Cresceu a Biblioteca Escolar da Associação, abriu-se uma Escola Noturna para analfabetos adultos. No Asilo-Creche foram instalados novos e diferentes cursos.
Em 1906, devido a grandes dificuldades financeiras, Anália abriu o “Bazar da Caridade”, para a venda ao público dos trabalhos manufaturados no Asilo.
Um pouco mais tarde, após passar essa fase de dificuldades, Anália adquiriu, a baixo preço, em prestações, uma fazenda situada no bairro da Mooca, na cidade de São Paulo, e ali instalou a Colônia regeneradora D. Romualdo. Esta Colônia abrigou, a princípio, mulheres arrependidas, nelas se incutindo as virtudes que enobrecem e o amor ao trabalho, preparando-as para vencerem dignamente na vida. Dessa casa benfazeja saíram centenas de criaturas regeneradas, e ali se organizou excelente Grupo Dramático Musical e uma Orquestra.
Quando irrompeu a Primeira Guerra Mundial, o Brasil imediatamente sentiu-lhe os reflexos em sua vida econômica. Nessa ocasião, com a grave responsabilidade da manutenção de centenas de crianças, e com o espírito angustiado ante a idéia de que a fome viesse bater às portas das casas de recolhimento dos seus protegidos, Anália Franco não se deixou abater e, apesar dos seus 58 anos de idade, lançou mão de todos os meios para que o pão não faltasse à sua grande família espiritual.
Organizou festas, insistiu junto a velhas amizades, bateu a todas as portas e, por algum tempo, conseguiu remediar a situação. Mas esses recursos chegaram ao fim, e a bolsa do povo estava esgotada. Não fosse Anália Franco um espírito forte, iria entregar as chaves de suas escolas e asilos ao Governo, para que este providenciasse a alimentação das crianças. Ela, porém, não procedeu assim. Em tal emergência, fez o seguinte: acompanhada do corpo docente do Asilo-Creche, do seu esposo Francisco Antônio Bastos, da Banda Feminina e do Grupo Dramático, Anália foi, numa ronda de caridade, percorrer várias cidades de São Paulo e vilarejos remotos, objetivando angariar donativos para suprir as prementes necessidades da Associação. Encontrando, em todas as localidades, carinhosa acolhida por parte das autoridades e do povo em geral, Anália Franco, pôde amealhar alguns recursos para minorar a situação.
O mundo convulsionado pela guerra iria passar por outra desgraça próxima. Mortífera pandemia de gripe surgiu na Europa e em pouco tempo atingia o Brasil com o nome de gripe espanhola. Caíram doentes todas as asiladas. Sem possibilidades para melhor atender às suas doentinhas, ela se confia a Deus e põe-se a trata-las com passes, água fluidificada e algum chá caseiro. Com a ajuda do Alto, conseguiu salvar todas elas, à exceção de quatro ou cinco meninas que haviam sido entregues aos seus cuidados já bastante debilitadas.
As noites passadas em claro, junto aos filhos de sua grande família, os angustiantes problemas que pesavam sobre sua alma, tudo isso concorreu para enfraquecer-lhe as forças orgânicas, levando-a a desencarnar na capital de São Paulo, aos 20 de Janeiro de 1919.
Paciente, carinhosa, humilde, dedicadíssima ao bem do próximo, assim era Anália Franco. Não teve filhos, mas foi uma grande MÃE.

Livro:Grandes Espíritas do Brasil
Autor: Zêus Wantuil
Editora: Federação Espírita Brasileira

Amália Rodrigues Soler

Amália Rodrigues Soler

Nascida a 10 de novembro de 1833, da cidade de Sevilha, Espanha, e desencarnada a 29 de abril de 1909.
Foi figura de grande destaque no seio do Espiritismo espanhol, tendo a sua fama ultrapassado mesmo as fronteiras da península ibérica, para atingir os países americanos de fala castelhana. No Brasil ela tornou-se muito conhecida pela sua obra “As memórias do Padre Germano”, verdadeiro repositório de ensinamentos dos mais vivificantes.
Amália não nasceu num lar risonho e sua vida foi entrecortada de dores físicas e morais, entretanto, ela tudo suportou com estoicismo, pois somente os Espíritos fortes sabem vencer os obstáculos, compreendendo que as tribulações da vida terrena são imperativos da lei divina, impostos aos homens pelas suas transgressões cometidas em vidas pretéritas. As adversidades que ela deparou pelo caminho nunca constituíram entraves à sua persistente luta, no sentido de projetar os ensinamentos da Doutrina Espírita na Espanha do século passado. Através de sua luta conseguiu também elevar bem alto o conceito da mulher no campo da divulgação.
Com a idade de dez anos, começou a escrever; aos dezoito já dava à publicidade as suas poesias. No propósito de melhor poder difundir os seus escritos, transferiu-se para Madri. Na Capital espanhola, trabalhou de forma tão intensa que ficou completamente cega.
Debalde procurou consolo no seio das religiões tradicionais. Os dogmas não a satisfaziam. Os conceitos da vida no além-túmulo, apregoados por essas religiões, não preenchiam o imenso vácuo que existia em sua alma.
Um dia, porém, através do periódico “El Critério”, editado pela Federação Espírita Espanhola, tomou conhecimento do Espiritismo. Dali por diante os seus escritos, que apenas expressavam amargura, passaram a constituir uma fonte de consolação. Havia compreendido, afinal, que os sofrimentos experimentados nesta vida, são heranças de faltas cometidas em vidas pretéritas, e que, embora muitas pessoas tenham diante de si horizontes sombrios, devem-se compenetrar que Deus é Pai de misericórdia e de amor, sempre pronto a conceder benesses de luz e dar sustentação às almas alquebrantes. Passou Amália a compreender que o Evangelho de Jesus é, na realidade, uma fonte de água viva que jorra para a vida eterna.
Os cognomes de “poetisa das violetas” e “cantora do Espiritismo” lhe foram outorgados, pois o seu nome projetou-se de tal forma que ela se tornou, de direito e de fato, uma das mais apreciadas poetisas de seu tempo.
Animada de profunda fé em Jesus Cristo e nos benfeitores espirituais, conseguiu um dia recobrar a visão. Eis como ela relata esse importante acontecimento de sua vida: “Bela manhã, estando em sua casa sentiu repentinamente doloroso e estranho fenômeno: pareceu-me, disse ela, que toda minha cabeça se tinha enchido de neve, tal o frio intenso que senti na mesma. Prestei atenção e acreditei ouvir esta breve palavra: LUZ… LUZ… LUZ… para a minha alma e para os meus olhos; gritei movida por inexplicável impressão: LUZ necessito, meu Deus. E sem saber por que, chorei, não com amargura desconsolada, pelo contrário, aquelas lágrimas pareciam que davam vida. Sem dar conta do que fazia, encaminhei-me para um espelho, numa exclamação de júbilo e de assombro indescritível ao ver meus olhos perfeitamente abertos como há muito não os podia ver, pois que sempre os tinha com as pálpebras caídos, o que me impossibilitava de ver. Havia chegado a hora da minha liberdade? Perguntei em alta voz; julgando que alguém pudesse me responder. Sim, murmurou uma voz longínqua. Louca de contentamento corri para o médico que me disse: Amália, graças a Deus, a partir de amanhã poderás trabalhar, porém, sem excessos.”
Podemos afiançar que o trabalho de Amália Domingo Soler no campo da divulgação do Espiritismo, foi de relevante importância, tendo contribuído decididamente para que a Doutrina dos Espíritos passasse a desfrutar de enorme prestígio naquela nação.
Amália foi uma mulher singular. Era um exemplo vivo de firmeza, de fé e de amor, na defesa dos ideais que esposava. Em novembro de 1878, desenvolveu ingente trabalho no sentido de rebater acusações que eram lançadas contra o Espiritismo pelo cura Manterola, na “A Gazeta de Catalunha”. Nesse propósito ela escreveu uma série de cinqüenta e dois artigos.

Livro: Personagens do Espiritismo
Autor: Antonio de Souza Lucena e Paulo Godoy
Editora: Edições FEESP

Allan Kardec

Allan Kardec

Nascido em Lyon, a 3 de outubro de 1804, de uma família antiga que se distinguiu na magistratura e na advocacia, Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail) não seguiu essas carreiras. Desde a primeira juventude, sentiu-se inclinado ao estudo das ciências e da filosofia.
Educado na Escola de Pestalozzi, em Yverdun (Suíça), tornou-se um dos mais eminentes discípulos desse célebre professor e um dos zelosos propagandistas do seu sistema de educação, que tão grande influência exerceu sobre a reforma do ensino na França e na Alemanha.
Dotado de notável inteligência e atraído para o ensino, pelo seu caráter e pelas suas aptidões especiais, já aos catorze anos ensinava o que sabia àqueles dos seus condiscípulos que haviam aprendido menos do que ele. Foi nessa escola que lhe desabrocharam as idéias que mais tarde o colocariam na classe dos homens progressistas e dos livre-pensadores.
Nascido sob a religião católica, mas educado num país protestante, os atos de intolerância que por isso teve de suportar, no tocante a essa circunstância, cedo o levaram a conceber a idéia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio durante longos anos com o intuito de alcançar a unificação das crenças. Faltava-lhe, porém, o elemento indispensável à solução desse grande problema.
O Espiritismo veio, a seu tempo, imprimir-lhe especial direção aos trabalhos.
Concluídos seus estudos, voltou para a França. Conhecendo a fundo a língua alemã, traduzia para a Alemanha diferentes obras de educação e de moral e, o que é muito característico, as obras de Fénelon, que o tinham seduzido de modo particular.
Era membro de várias sociedades sábias, entre outras, da Academia Real de Arras, que, em o concurso de 1831, lhe premiou uma notável memória sobre a seguinte questão: Qual o sistema de estudos mais de harmonia com as necessidades da época?
De 1835 a 1840, fundou, em sua casa, à rua de Sèvres, cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia, etc., empresa digna de encômios em todos os tempos, mas, sobretudo, numa época em que só um número muito reduzido de inteligências ousava enveredar por esse caminho.
Preocupado sempre com o tornar atraentes e interessantes os sistemas de educação, inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso de ensinar a contar e um quadro mnemônico da História de França, tendo por objetivo fixar na memória as datas dos acontecimentos de maior relevo e as descobertas que iluminaram cada reinado.
Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Plano proposto para melhoramento da Instrução pública (1828); Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método Pestalozzi, para uso dos professores e das mães de família (1824); Gramática francesa clássica (1831); Manual dos exames para os títulos de capacidade; Soluções racionais das questões e problemas de Aritmética e de Geometria (1846); Catecismo gramatical da língua francesa (1848); Programa dos cursos usuais de Química, Física, Astronomia, Fisiologia, que ele professava no Liceu Polimático; Ditados normais dos exames da Municipalidade e da Sorbona, seguidos de Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas (1849), obra muito apreciada na época do seu aparecimento e da qual ainda recentemente eram tiradas novas edições.
Antes que o Espiritismo lhe popularizasse o pseudônimo de Allan Kardec, já ele se ilustrara, como se vê, por meio de trabalhos de natureza muito diferente, porém tendo todos, como objetivo, esclarecer as massas e prendê-las melhor às respectivas famílias e países.
Pelo ano de 1855, posta em foco a questão das manifestações dos Espíritos, Allan Kardec se entregou a observações perseverantes sobre esse fenômeno, cogitando principalmente de lhe deduzir as conseqüências filosóficas. Entreviu, desde logo, o princípio de novas leis naturais: as que regem as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Reconheceu, na ação deste último, uma das forças da Natureza, cujo conhecimento haveria de lançar luz sobre uma imensidade de problemas tidos por insolúveis, e lhe compreendeu o alcance, do ponto de vista religioso.
Suas obras principais sobre esta matéria são: O Livro dos Espíritos, referente à parte filosófica, e cuja primeira edição apareceu a 18 de abril de 1857; O Livro dos Médiuns, relativo à parte experimental e científica (janeiro de 1861); O Evangelho segundo o Espiritismo, concernente à parte moral (abril de 1864); O Céu e o Inferno, ou A justiça de Deus segundo o Espiritismo (agosto de 1865); A Gênese, os Milagres e as Predições (janeiro de 1868); A Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, periódico mensal começado a 1º de janeiro de 1858. Fundou em Paris, a 1º de abril de 1858, a primeira Sociedade espírita regularmente constituída, sob a denominação de Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cujo fim exclusivo era o estudo de quanto possa contribuir para o progresso da nova ciência. Allan Kardec se defendeu, com inteiro fundamento, de coisa alguma haver escrito debaixo da influência de idéias preconcebidas ou sistemáticas. Homem de caráter frio e calmo, observou os fatos e de suas observações deduziu as leis que os regem. Foi o primeiro a apresentar a teoria relativa a tais fatos e a formar com eles um corpo de doutrina, metódico e regular.
Demonstrando que os fatos erroneamente qualificados de sobrenaturais se acham submetidos a leis, ele os incluiu na ordem dos fenômenos da Natureza, destruindo assim o último refúgio do maravilhoso e um dos elementos da superstição.
Durante os primeiros anos em que se tratou de fenômenos espíritas, estes constituíram antes objeto de curiosidade, do que de meditações sérias. O Livro dos Espíritos dez que o assunto fosse considerado sob aspecto muito diverso. Abandonaram-se as mesas girantes, que tinham sido apenas um prelúdio, e começou-se a atentar na doutrina, que abrange todas as questões de interesse para a Humanidade.
Data do aparecimento de O Livro dos Espíritos a fundação de Espiritismo que, até então, só contara com elementos esparsos, sem coordenação, e cujo alcance nem toda gente pudera apreender. A partir daquele momento, a doutrina prendeu a atenção de homens sérios e tomou rápido desenvolvimento. Em poucos anos, aquelas idéias conquistaram numerosos aderentes em todas as camadas sociais e em todos os países. Esse êxito sem precedentes decorreu sem dúvida da simpatia que tais idéias despertaram, mas também é devido, em grande parte, à clareza com que foram expostas e que é um dos característicos dos escritos de Allan Kardec.
Evitando as fórmulas abstratas da Metafísica, ele soube fazer que todos o lessem sem fadiga, condição essencial à vulgarização de uma idéia. Sobre todos os pontos controversos, sua argumentação, de cerrada lógica, poucas ensanchas oferece à refutação e predispõe à convicção. As provas materiais que o Espiritismo apresenta da existência da alma e da vida futura tendem a destruir as idéias materialistas e panteístas. Um dos princípios mais fecundos dessa doutrina e que deriva do precedente é o da pluralidade das existências, já entrevisto por uma multidão de filósofos antigos e modernos e, nestes últimos tempos, por João Reynaud, Carlos Fourier, Eugênio Sue e outros. Conservara-se, todavia, em estado de hipótese e de sistema, enquanto o Espiritismo lhe demonstrara a realidade e prova que nesse princípio reside um dos atributos essenciais da Humanidade. Dele promana a explicação de todas as aparentes anomalias da vida humana, de todas as desigualdades intelectuais, morais e sociais, facultando ao homem saber donde vem, para onde vai, para que fim se acha na Terra e por que aí sofre.
As idéias inatas se explicam pelos conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores; a marcha dos povos e da Humanidade, pela ação dos homens dos tempos idos e que revivem, depois de terem progredido; as simpatias e antipatias, pela natureza das relações anteriores. Essas relações, que religam a grande família humana de todas as épocas, dão por base, aos grandes princípios de fraternidade, de igualdade, de liberdade e de solidariedade universal, as próprias leis da Natureza e não mais uma simples teoria.
Em vez do postulado: Fora da Igreja não há salvação, que alimenta a separação e a animosidade entre as diferentes seitas religiosas e que há feito correr tanto sangue, o Espiritismo tem como divisa: Fora da Caridade não há salvação, isto é, a igualdade entre os homens perante Deus, a tolerância, a liberdade de consciência e a benevolência mútua.
Em vez da fé cega, que anula a liberdade de pensar, ele diz: Não há fé inabalável, senão a que pode encarar face a face a razão, em todas as épocas da Humanidade. A fé, uma base se faz necessária e essa base é a inteligência perfeita daquilo em que se tem de crer. Para crer, não basta ver, é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é para este século. É precisamente ao dogma da fé cega que se deve o ser hoje tão grande o número de incrédulos, porque ela quer impor-se e exige a abolição de uma das mais preciosas faculdades do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio.
Trabalhador infatigável, sempre o primeiro a tomar da obra e o último a deixá-la, Allan Kardec sucumbiu, a 31 de março de 1869, quando se preparava para uma mudança de local, imposta pela extensão considerável de suas múltiplas ocupações. Diversas obras que ele estava quase a terminar, ou que aguardavam oportunidade para vir a lume, demonstrarão um dia, ainda mais, a extensão e o poder das suas concepções.
Morreu conforme viveu: trabalhando. Sofria, desde longos anos, de uma enfermidade do coração, que só podia ser combatida por meio do repouso intelectual e pequena atividade material. Consagrado, porém, todo inteiro à sua obra, recusava-se a tudo o que pudesse absorver um só que fosse de seus instantes, à custa das suas ocupações prediletas. Deu-se com ele o que se dá com todas as almas de forte têmpera: a lâmina gastou a bainha.
O corpo se lhe entorpecia e se recusava aos serviços que o Espírito lhe reclamava, enquanto este último, cada vez mais vivo, mais enérgico, mais fecundo, ia sempre alargando o círculo de sua atividade.
Nessa luta desigual não podia a matéria resistir eternamente. Acabou sendo vencida: rompeu-se o aneurisma e Allan Kardec caiu fulminado. Um homem houve de menos na Terra; mas, um grande nome tomava lugar entre os que ilustraram este século; um grande Espírito fora retemperar-se no Infinito, onde todos os que ele consolara e esclarecera lhe aguardavam impacientemente a volta!
A morte, dizia, faz pouco tempo, redobra os seus golpes nas fileiras ilustres!… A quem virá ela agora libertar?
Ele foi, como tantos outros, recobrar-se no Espaço, procurar elementos novos para restaurar o seu organismo gasto por um vida de incessantes labores. Partiu com os que serão os fanais da nova geração, para voltar em breve com eles a continuar e acabar a obra deixada em dedicadas mãos.
O homem já aqui não está; a alma, porém, permanecerá entre nós. Será um protetor seguro, uma luz a mais, um trabalhador incansável que as falanges do Espaço conquistaram. Como na Terra, sem ferir a quem quer que seja, ele fará que cada um lhe ouça os conselhos oportunos; abrandará o zelo prematuro dos ardorosos, amparará os sinceros e os desinteressados e estimulará os mornos. Vê agora e sabe tudo o que ainda há pouco previa! Já não está sujeito às incertezas, nem aos desfalecimentos e nos fará partilhar da sua convicção, fazendo-nos tocar com o dedo a meta, apontando-nos o caminho, naquela linguagem clara, precisa, que o tornou aureolado nos anais literários.
Já não existe o homem, repetimo-lo. Entretanto, Allan Kardec é imortal e a sua memória, seus trabalhos, seu Espírito estarão sempre com os que empunharem forte e vigorosamente o estandarte que ele soube sempre fazer respeitado.
Uma individualidade pujante constituiu a obra. Era o guia e o fanal de todos. Na Terra, a obra subsistirá o obreiro. Os crentes não se congregarão em torno de Allan Kardec; congregar-se-ão em torno do Espiritismo, tal como ele o estruturou e, com os seus conselhos, sua influência, avançaremos, a passos firmes, para as fases ditosas prometidas à Humanidade regenerada.

Fonte: Obras Póstumas

Adelaide Câmara

Adelaide Câmara

Adelaide Augusta Câmara foi uma das mais devotadas figuras femininas do Espiritismo no Brasil, bem conhecida pelo seu pseudônimo Aura Celeste.
Encarnou na cidade de Natal, estado do Rio Grande do Norte, em 11 de Janeiro de 1874, e desencarnou na cidade do Rio de Janeiro, em 24 de Outubro de 1944.
Aura Celeste veio para a antiga Capital Federal em Janeiro de 1896, graças ao auxílio de alguns militantes do Protestantismo, a cuja religião pertencia, os quais lhe propiciaram a oportunidade de lecionar no Colégio Ram Williams, o que fez com muita proficiência, durante algum tempo, até que organizou, em sua própria residência, um curso primário, onde muitos homens ilustres do meio político e social brasileiro aprenderam com ela as primeiras letras.
Foi nesse período de sua vida, no ano de 1898, que começou a sentir as primeiras manifestações de suas faculdades mediúnicas. Nessa época, o grande Bezerra de Menezes dirigia os destinos da Federação Espírita Brasileira. Sob a sábia orientação de Bezerra de Menezes começou a sua notável carreira mediúnica como psicógrafa no Centro Espírita Ismael.
Em breve Adelaide Câmara, como médium auditiva, começou a trabalhar na propagação da Doutrina, fazendo conferências e receitando, com tal acerto e exatidão, que o seu nome se irradiou por todo o País.
Contraindo núpcias em 1906, os afazeres do lar, e a educação dos filhos mais tarde, obrigaram-na a afastar-se da propaganda ativa nos Centros, mas, nem por isso, ficou inativa. Nas horas de lazer, entrava em confabulação com os guias espirituais, e pôde receber e produzir páginas admiráveis, que foram dadas à publicidade na obra “Do Além”, em 21 fascículos e no livro “Orvalho do Céu”. Foi aí que adotou o pseudônimo de Aura Celeste, nome com que ficou conhecida no Brasil inteiro.
Em 1920, retorna à tribuna e aos trabalhos mediúnicos, com tal vigor e entusiasmo, que o seu organismo de compleição franzina ressentiu-se um pouco, mas nem por isso, deixou ela de cumprir com os seus deveres. O Dr. Joaquim Murtinho era o médico espiritual que, por seu intermédio, começou a trabalhar na cura dos enfermos e necessitados, diagnosticando e curando a todos quantos lhe batiam à porta, desenvolvendo, espontaneamente, diversas faculdades mediúnicas nesse período.
Além das mediunidades de incorporação, audição, vidência, psicográfica, curadora, intuitiva, possuía Adelaide Câmara, ainda, a extraordinária faculdade da bilocação. Muitas curas operou em diferentes lugares do Brasil, a eles se transportando em desdobramento fluídico, sendo visível o seu corpo perispirítico.
Poetisa, conferencista, contista e educadora, deixou excelentes obras lítero-doutrinárias, em prosa e verso, assinando-os geralmente com o seu pseudônimo.
Em 1924, teve as sua vistas voltadas para o campo da assistência às crianças órfãs e à velhice desamparada. Centralizou todos os seus esforços no propósito de materializar esse antigo anseio de sua alma. Adelaide Câmara exprimiu o júbilo de sua alma, afirmando realizado o ideal de toda a sua existência; “ser mãe de órfãos, graça do céu que não trocaria por todo o ouro e todas as grandezas do mundo”.
Dedicou, daí por diante, todo o seu tempo a essa grandiosa obra de caridade, emprestando-lhe as luzes do seu saber e de sua bondade até o dia em que serenamente entregou a alma a Deus.
Com extremosa dedicação, trabalhou Aura Celeste em várias sociedades espíritas beneficentes da cidade do Rio de Janeiro, dando a todas elas o melhor de suas energias e de sua inteligência.
No Asilo Espírita João Evangelista, porém, foi onde realizou sua tarefa máxima, não só como competente educadora, mas também como hábil orientadora de inumeráveis jovens que ali receberam, como ainda recebem, instrução intelectual e educação moral.
A vida e a obra de Adelaide Câmara foi uma escada de luz, uma afirmação de fé e humildade, e um perene testemunho de amor. Era a grande educadora que ensinava e educava ensinando, pelo exemplo.
Médium sem vaidade, sincera e de honestidade a toda prova, praticava a mediunidade como verdadeiro sacerdócio.
Dotada de sólida cultura teria, se quisesse, conquistado fama no mundo das letras. Poetisa de vastos recursos, oradora convincente e natural, senhora de estilo vigoroso e de fulgurante imaginação, tudo deu e tudo fez, com o cabedal que possuía, para o bom nome e o engrandecimento da Doutrina Espírita.
Assim vivem e assim desencarnam os verdadeiros discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Livro: Grandes Espíritas do Brasil
Autor: Zêus Wantuil
Editora: Federação Espírita Brasileira

William Eller Channing

William Eller Channing

“Qual a instituição humana, ou mesmo divina, que não encontrou obstáculos a vencer, cismas contra que lutar? Se apenas tivésseis uma existência triste e lânguida, ninguém vos atacaria, sabendo perfeitamente que havíeis de sucumbir de um momento para outro. Mas, como a vossa vitalidade é forte e ativa, como a árvore espírita tem fortes raízes, admitem que ela poderá viver longo tempo e tentam golpeá-la a machado. Que conseguirão esses invejosos? Quando muito, deceparão alguns galhos, que renascerão com seiva nova e serão mais robustos do que nunca.”
Assim se expressa, em O Livro dos Médiuns, cap. XXXI, dissertação de nº 7, o espírito Channing, bem traduzindo o que foi em encarnação como pastor nos Estados Unidos. Convocando os espíritas à luta, recordava, com certeza, as próprias que enfrentara a seu tempo, em nome do estabelecimento das verdades espirituais.
Nascido em 7 de abril de 1780, em Newport, ficou conhecido como o “apóstolo do Unitarismo”, seita protestante datada do século XVI, que negava o dogma da trindade divina, reconhecendo Deus como Uno.
Organizou, nos Estados Unidos, a tentativa para a eliminação da escravidão, a embriaguez, a indigência e a guerra.
Tendo estudado Teologia em Newport e Harvard, tornou-se a curto prazo um pregador de sucesso, em várias Igrejas na área da cidade de Boston. Em Boston, foi Ministro da Federal Street Church no largo período de 39 anos.
Preferindo evitar pontos complexos da Doutrina, ele pregava a moralidade, a caridade e a responsabilidade cristã.
Na qualidade de pregador, alcançava grandes audiências e como escritor colocou várias defesas da sua posição, descrevendo a sua luta como “um sistema racional e amável contra o não entendimento dos homens da caridade ou piedade”.
Chegou a ser simpatizante da crença do Movimento de Reforma Social e Educacional, mas não acreditava que a sociedade pudesse ser melhorada por ações coletivas. Recusava a idéia de que o governo poderia ajudar no avanço da moral e sensibilidade da raça humana, acreditando que o governo pudesse somente intervir nas questões essenciais para manter a ordem pública.
Sua obra escrita (ensaios e revisões), cuja maioria foi destruída pelo fogo, foi classificada por um seu contemporâneo como um “Tratado da Doutrina Cristã”, enquanto o biógrafo de Napoleão I, Sir Walter Scott teve oportunidade de o cognominar de grande agitador social.
Comparecendo ao palco da Codificação e tendo inseridas em O Livro dos Médiuns três mensagens de sua lavra no capítulo 31, além de uma contribuição valiosa, discorrendo a respeito da ubiqüidade, no capítulo 25, pergunta de número 30 do item 282, convida o homem a escutar a voz interior, do seu anjo guardião, assim se expressando: “Nem todos sabem agir de acordo com os conselhos da razão, não dessa razão que antes se arrasta e rasteja do que caminha, dessa razão que se perde no emaranhado dos interesses materiais e grosseiros, mas dessa razão que eleva o homem acima de si mesmo, que o transporta a regiões desconhecidas, chama sagrada que inspira o artista e o poeta, pensamento divino que exalça o filósofo, arroubo que arrebata os indivíduos e povos, razão que o vulgo não pode compreender, porém que ergue o homem e o aproxima de Deus, mais que nenhuma outra criatura, entendimento que o conduz do conhecido ao desconhecido e lhe faz executar as coisas mais sublimes.”
Channing desencarnou em Bennington, Estados Unidos, em 2 de outubro de 1842. Seis anos depois, o grande Movimento que redundaria no posterior surgimento da Doutrina Espírita, despertaria os homens para o estudo mais aprofundado do Mundo Invisível.

Vicente de Paulo

Vicente de Paulo

A aldeia se situa no sul da França, quase na divisa com a Espanha. Chama-se Pouy, e a família leva o sobrenome De Paulo. Vicente é o terceiro entre os seis filhos do casal João de Paulo e Bertranda de Moras. O ano é 1581.
A família possui terras e um rebanho de vacas, ovelhas e porcos. Vicente é encarregado de levar o rebanho a pastar e, seu olhar se perde na contemplação da natureza. Cedo, nele se manifestam a inteligência aguda, o olhar observador, o espírito vivo, o coração generoso e sincera devoção a Maria, o que motiva que os pais o encaminhem aos estudos eclesiásticos, ordenando-se sacerdote aos 19 anos.
Para poder freqüentar os estudos, o jovem estudante dá aulas particulares aos filhos de um juiz em Pouy, o sr. Commet, pois que seu pai não tem condições para ajudá-lo.
Mais tarde, em Tolosa, leciona aos filhos de algumas famílias da nobreza, a fim de manter os seus estudos de Teologia e a estadia, merecendo o título de bacharel, pela Universidade, no ano de 1604.
No ano 1610, a rainha Margarida, ex-esposa do rei Henrique IV, admite Vicente entre seus esmoleres, ou seja, encarrega-o de distribuir as esmolas. Afetuoso, visita os doentes, abranda as desavenças, dissipa as dúvidas, instrui na fé os empregados e a todos presta incontáveis serviços.
Contudo, Vicente vive no mundo dos grandes e dos ricos. Esmoler da rainha Margarida e protegido da senhora De Gondi, até o dia que opta por se dedicar à instrução e ao serviço dos camponeses, sendo-lhe designada a paróquia de Châtillon, uma das mais problemáticas e desleixadas da região.
Num domingo, ele recebe as notícias de uma família miserável que está a morrer. Estão todos doentes. Instados pelo seu sermão, os paroquianos se dirigem à casa da família e prestam auxílio.
O cérebro de Vicente fervilha: “Eis aqui uma grande caridade,” pensa, “mas está mal organizada.”
Idealiza, portanto, a criação de uma Associação, e, no dia 20 de agosto de 1617, com sua iniciativa nasce uma associação de mulheres, com o objetivo de visitar, alimentar e prestar aos enfermos todos os cuidados indispensáveis: a Confraria da Caridade. As pessoas que a compõem chamam-se Servas dos Pobres ou Damas da Caridade.
Em 1620, Vicente institui a Caridade dos Homens. As mulheres se dedicam aos doentes, os homens devem se dedicar aos velhos, viúvas, órfãos, prisioneiros.
Homem de visão, Vicente de Paulo orienta as Confrarias, incentivando a organização de cooperativas agrícolas, ensinando novos métodos de cultivo da terra, implantando, nas cidades, pequenas manufaturas para produzirem objetos de uso na região e, finalmente, criando centros de aprendizagem onde as crianças indigentes possam receber educação cristã e aprender uma profissão, a fim de tirá-las à miséria.
Tendo estabelecido diretrizes à assistência aos camponeses, um novo campo se lhe abre. Ele é convidado a trabalhar junto aos condenados às galés. São criminosos e delinqüentes, que vivem amontoados em calabouços infectos, acorrentados pelo pescoço e pelos pés, cheios de vermes, revolta e desesperança.
Como poderia Vicente lhes falar das coisas espirituais? Necessário é lhes melhorar as condições, pois apodrecem vivos. O alimento é pão preto, a água é semipoluída e os golpes de chicote são constantes.
Interfere Vicente junto ao general das galeras, Manuel de Gondi e consegue realizar sensíveis mudanças. Oferece-lhes cuidados corporais, distribui alimento entre eles, consola-os, fala-lhes de Cristo e do Evangelho, chama-os de “meus filhinhos”.
Vicente ama. Por isso, mostra-se incansável na descoberta das misérias humanas de ordem material e espiritual, estendendo socorro pessoalmente e ou enviando as Damas da Caridade a hospitais, prisões, asilos, escolas, às ruas.
Amigo de Francisco de Sales, bispo de Genebra (Suíça), decide fundar uma Companhia que tenha por herança os pobres e que se dê inteiramente aos pobres, o que se concretiza em 1625.
Vicente é mestre na arte de conquistar corações. Consegue apoio de muitos nobres e ricos para atender os seus pobres. Tem amigos como a rainha Ana da Áustria que lhe manda ajuda material durante o longo período da guerra, que assolou a França, sustenta a obra das crianças expostas (abandonadas); Maria, duquesa de Aiguillon, que o auxilia em todas as suas obras caritativas; o rei Luís XIII, que visita e assiste os doentes, apoia e incentiva com bens materiais inúmeras obras vicentinas; Luísa de Marillac, que se torna excepcional trabalhadora, visitando e coordenando as diversas Confrarias da Caridade espalhadas ao redor de Paris.
Desde os 35 anos de idade, Vicente conhece o trabalho da doença em sua própria carne. As pernas e pés incham. Chegará um tempo, 1645, em que já sente dificuldade para se manter a cavalo, para a realização das suas viagens.
Aos 74 anos necessita ficar encerrado por longos dias em seu quarto, enquanto a febre se instala em seu corpo. Com dificuldade e o auxílio de uma bengala, consegue dar alguns passos. Contudo, dotado de indomável energia, ele profere palestra, todas as manhãs aos seus discípulos, demonstrando serenidade e lucidez, apesar das dores atrozes que o atormentam.
Diante da morte iminente, brinca: “Em breve enterrarão o miserável corpo deste velho, e se transformará em cinzas e o pisarão com os pés.”
Então, em 27 de setembro de 1660, antes que o sol se levante, sentado numa poltrona, perto do fogo, Vicente desencarna.
Era um pouco antes das cinco horas da manhã, hora em que habitualmente Vicente se punha em oração.
Os pobres, mais do que ninguém, lastimam a morte do seu benfeitor e amigo, seu pai.
Referindo-se a ele, o espírito de Francisco de Paula Vítor, pela psicografia de Raul Teixeira, escreve: “Verdadeira luz a brilhar, no seio do séc. XVII, seus exemplos de dedicação e fidelidade ao Mestre Jesus contagiam inumeráveis corações que, depois dele, investem tempo e vida aos serviços portentosos em prol da instalação do reino dos céus na Terra.”
E esta figura ímpar, se faz presente como um colaborador do Consolador Prometido, assinando as respostas às questões de número 888, 888a em O livro dos espíritos, onde igualmente assina, junto com outros espíritos eminentes, Prolegômenos; nas mensagens de nº XX e XXVI do cap. XXXI de O Livro dos Médiuns e o item 12 , do cap. XIII de O evangelho segundo o espiritismo. Nesta mensagem, especialmente, é que derrama o perfume do seu coração, externando: “A caridade é, em todos os mundos, a eterna âncora de salvação; é a mais pura emanação do próprio Criador (…)”.

Fonte: Duarte, Luiz Miguel. Vicente de Paulo, servidor dos pobres. Ed. Paulinas.
Teixeira, J. Raul/espírito de Francisco de Paula Vítor. Ed Fráter. cap. 8

Um Espírito Amigo

Um Espírito Amigo

Desta forma, são assinadas duas mensagens em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no cap. IX, item 7 (A paciência) e cap. XVIII, item 15 (Dar-se-á àquele que tem).
Convidada pelos espíritos superiores a integrar a equipe do Espírito de Verdade, que traria à Terra a Terceira Revelação, em verdade, iniciou sua trajetória cristã nos tempos primeiros da Boa Nova.
Chamava-se então Joana, esposa de Cusa, intendente de Ântipas. Ouvindo Jesus, encanta-se pela mensagem. especialmente por ser uma mulher que sofria, conforme nos relata pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, o espírito Humberto de Campos, pela indiferença do marido.
Vestindo-se de forma simples, para não ser percebida, embora não deixasse de o ser, Joana de Cusa em meio ao povo, nas pregações do lago, ouvia atentamente o meigo Rabi. Absorve-lhe os ensinos e os segue.
Após a morte do esposo, necessita prover a sua e à subsistência do filho. Torna-se serva em casa de família abastada que mais tarde se transferiria para Roma, levando ambos.
Foi ali em uma tarde de agosto do ano 68 d.C. que Joana de Cusa foi martirizada com seu filho e mais de quinhentos cristãos, que tiveram seus corpos queimados de tal forma que as chamas iluminaram a cidade.
Quando, no século XII, o Sol de Assis brilhou entre os homens, Joana retornou à terra tomando vestes femininas outra vez e servindo em uma das ordens fundadas por Clara de Assis.
No século XVII ela reaparece no cenário do mundo, para mais uma vida dedicada ao Bem. Renasce em 1651, em uma cidadezinha a 81km da cidade do México, San Miguel Nepantla e recebe o nome de Juana de Asbaje y Ramirez de Santillana.
Aos três anos, aprende a ler. Aos cinco, faz versos. Aos treze anos, está na corte mexicana, tão pomposa e brilhante quanto a corte européia e ali mostraria seus dotes literários, escrevendo poemas de amor, ensaios e peças teatrais, que até hoje são citados e representadas em programas de rádio e TV.
Como sua sede de saber fosse mais forte que a ilusão de brilhar na Corte, ingressou no Convento das Carmelitas Descalças e, mais tarde, transferiu-se para a Ordem de São Jerônimo da Conceição, tomando o nome de Sóror Juana Inés de la Cruz.
Ficou conhecida como a Monja da Biblioteca, intercambiando conhecimentos e experiências com intelectuais europeus e do Novo Mundo. Estudava, escrevia poemas, ensaios, dramas, peças religiosas, cantos de Natal e música sacra. Criou fama como pintora miniaturista, fez-se competente em teologia moral, dogma, medicina, astronomia e direito canônico.
Aprendeu o latim e o português.
Morreu em 1695, aos 44 anos de idade, durante uma epidemia de peste na região, após socorrer durante dias inteiros as suas irmãs religiosas enfermas.
Sessenta e seis anos após, ela renasceu na cidade do Salvador (BA), como Joana Angélica.
Ingressando no Convento da Lapa, como franciscana, atestando o seu “amor de ternura infinita por aquele que é o irmão da natureza” (2), tomou o nome de Sóror Joana Angélica de Jesus.
Foi a conselheira que, na calada da noite, deixava sua cela e se dispunha a ouvir e aliviar as dores dos corações sofridos de muitas daquelas mulheres, simplesmente trancadas no convento, por decisão familiar e que traziam a tormenta na alma desejosa de viver de outra forma.
Em 1815 tornou-se Abadessa do Convento e, no dia 20 de fevereiro de 1822, morreu “defendendo corajosamente o Convento, a casa do Cristo, assim como a honra das jovens que ali moravam(…)”(2) , sendo “(…) assassinada por soldados que lutavam contra a Independência do Brasil.”(2) Tinha 61 anos de idade.
No dia 5 de dezembro de 1945, esse espírito amigo iniciou a orientar, inspirar e manifestar-se mediunicamente através de Divaldo Pereira Franco. Em 1949, iniciaria seu trabalho de ensaio psicográfico junto ao médium. Várias das suas mensagens figuraram nas páginas da revista “O Reformador” da Federação Espírita Brasileira, em 1956, todas assinadas por “Um espírito amigo”. Nesse mesmo ano, ela se revelaria como Joanna, e passaria a se assinar Joanna de Ângelis, brindando-nos com sua primeira obra psicografada em 1964, Messe de Amor. Depois dessa, sua produção tem sido incessante.
Por sua iniciativa, criou-se na Bahia, uma cópia imperfeita da Comunidade onde ela estagia no Plano Espiritual, dando origem à Mansão do Caminho, iniciada em 1947.
É esse espírito amigo que nos exorta na última mensagem da sua obra “Após a tempestade”: “(…) E unidos uns aos outros, entre os encarnados e com os desencarnados, sigamos.
Jesus espera: avancemos.”

Fonte: 1. Boa Nova, Humberto de Campos/ Francisco Cândido Xavier.
2. A veneranda Joanna de Ângelis, Celeste Santos e Divaldo P. Franco

Timóteo

Timóteo

Junto ao espírito Erasto, ele disserta no item 225 de O livro dos médiuns, acerca do papel do médium nas comunicações.
Dá-nos “Atos dos Apóstolos” a informação de que ele era filho de uma mulher judia e de pai gentio. Na obra psicografada por Francisco Cândido Xavier, “Paulo e Estevão”, contudo, o espírito Emmanuel é pródigo em detalhes a respeito desse a quem Paulo de Tarso chamava de “amado filho na fé”. (2)
Quando Paulo chegou a Listra foi à casa de Lóide, recomendado pelo irmão daquela, que residia em Icônio. Viúva de um grego abastado, ela vivia em companhia de sua filha Eunice, também viúva e o neto adolescente de 13 anos.
Recebidos Paulo e Barnabé, com inexcedível carinho, em casa de Lóide, naquela mesma noite o apóstolo tarsense pôde observar a ternura com que o rapazola fazia a leitura dos pergaminhos da Lei de Moisés e dos Livros Sagrados dos Profetas. Ao ouvir falar a respeito de Jesus, Timóteo, inteligente e de generosos sentimentos, demonstrou grande interesse, o que levou Paulo a acariciar-lhe a fronte pensativa, várias vezes.
No dia seguinte, o rapaz passou a fazer inúmeras interrogações e, enquanto ele cuidava das cabras, Paulo aproveitou para conversar longamente a respeito da Boa Nova de que era portador. Alguns dias depois, Paulo fundou na cidade o primeiro núcleo do Cristianismo, em humilde casa. O pequeno Timóteo era quem auxiliava em todos os misteres, na recepção dos enfermos e demais necessitados, na ordem, na disciplina.
Em uma das pregações públicas, Timóteo assistiu aterrado o amigo querido ser apedrejado pela população, incitada pelos administradores da pequenina cidade. Desejou intervir, salvando-o, mas prudentemente foi detido por companheiro ponderado que lhe fez ver a inconveniência de se expor, sem nada verdadeiramente poder fazer ante a multidão enfurecida e muito bem conduzida por mentes ardilosas.
No entanto, é ele mesmo que, após acompanhar por vielas extensas, a turba exaltada depositar o corpo do Apóstolo no monturo, distante dos muros de Listra, se aproxima, na sombra da noite para socorrê-lo. Dispensa-lhe os primeiros socorros, buscando água fresca em poço próximo. Depois, banhado em lágrimas, fica ao seu lado, aguardando que desperte do profundo desmaio.
Timóteo, oportunamente, passaria a acompanhar Paulo de Tarso em suas viagens, desejoso de se consagrar ao serviço de Jesus, iluminando o seu coração e a sua inteligência. A caminho da Macedônia, separaram-se ele e Lucas de Paulo, a pedido daquele, tornando a se encontrarem mais tarde.
Para as viagens apostólicas, a fim de evitar as tricas judaicas e eventualmente provocar atritos nas suas tarefas iniciais, Timóteo submeteu-se, a conselho do próprio Paulo, à circuncisão, demonstrando a capacidade de ajustar-se ao que fosse necessário para servir a Jesus.
Timóteo é convidado pelo apóstolo de Tarso a estar com ele, quando da redação das suas famosas epístolas, “cuja essência espiritual provinha da esfera do Cristo”(1), e que não serviram somente para a comunidade para a qual foram escritas, mas à cristandade universal.
Esteve com Paulo em Roma, quando este foi prisioneiro dos romanos. Seguiu-o até a Espanha, junto com Lucas e Demas. Demorou-se mais na região de Tortosa, visitou parte das Gálias, auxiliando na conquista de novos corações para o Cristo e multiplicando os serviços do Evangelho. Afeiçoado a Paulo, Timóteo foi por ele encarregado em mais de uma oportunidade, a levar mensagens para as comunidades cristãs nascentes. Assim, da Espanha partiu para a Ásia, carregado de cartas e recomendações amigas.
Quando Paulo de Tarso retornou a Roma, a pedido de Simão Pedro, escreveria tomado de singulares emoções as últimas disposições ao filho do coração, Timóteo: “Apressa-te a vir ter comigo. (…) Só Lucas está comigo. (…) Quando vieres, traze contigo a capa que deixei em Trôade em casa de Carpo, e os livros, principalmente os pergaminhos. (…) Apressa-te a vir antes do inverno. (…)”(2)
Roga ainda os seus bons ofícios para que João Marcos venha a Roma, a fim de o auxiliar no serviço apostólico. Lucas é o encarregado de expedir a Epístola e percebe os lúgubres pressentimentos que tomam de assalto o velho Apóstolo.
Em verdade, Timóteo não chegou a rever Paulo na vida física, mas guardou n’alma as suas últimas exortações: “Foge das paixões da juventude, segue a justiça, a fé, a esperança, a caridade e a paz com aqueles que invocam o Senhor com um coração puro.(…)”
“Tu, pois, meu filho, fortifica-te na graça que está em Jesus-Cristo; e o que ouviste de mim, diante de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis, que sejam capazes de instruir também a outros.(…)”
“Esforça-te por te apresentares a Deus digno de aprovação, como um operário que não tem de que se envergonhar, que distribui retamente a palavra da verdade. (…)”

Fonte: 1.XAVIER, Francisco Cândido. Pelo espírito Emmanuel. Paulo e Estevão, cap. IV a X
2.Bíblia Sagrada – I Epístola a Timóteo
3.Bíblia Sagrada – II Epístola a Timóteo
4.Bíblia Sagrada _ Atos dos Apóstolos

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